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Will Eisner

Will Eisner (1917 – 2005) é uma referência maior da Banda Desenhada norte-americana e mundial.

Filho de emigrantes judeus pobres, Will Eisner orgulhava-se da sua cultura e experimentou o anti-semitismo na escola, mesmo não sendo os seus pais ortodoxos, mas revoltou-se contra a religião quando uma sinagoga impediu a família de entrar por não ter dinheiro. A crise de 1929 abateu-se violentamente sobre a família, tendo o jovem Will sido obrigado a vender jornais. 

O interesse pela arte nasceu muito cedo estimulado pelo pai (e apesar do desacordo da mãe), e ele começou por desenhar na revista da escola, tendo estudado artes depois do secundário.
Eisner começou por trabalhar em publicidade, em jornais, e ilustrou histórias em “pulp magazines” * .

Em 1936, o seu amigo de escola Bob Kane, que haveria de ser o criador do Batman, sugeriu-lhe que tentasse vender histórias para a Wow, What A Magazine!, tendo aí publicado as primeiras tiras, muito influenciadas pelas histórias de aventura e mistério em voga na altura.

A colaboração com o editor da Wow continuaria com sucesso nos anos seguintes, mesmo depois do desaparecimento da revista, tendo ainda criado um super-herói, The Wonder Man, que haveria de ser alvo de um processo judicial por parte da DC Comics, por alegada imitação do Superman.

No final dos anos 30, o editor da Quality Comics propôs a Will Eisner que criasse um “herói” para publicar nos suplementos de domingo de jornais, para competir com a popularidade das revistas de comics. The Spirit, histórias de oito páginas semanais, foram um sucesso imediato, tendo chegado a ser publicadas em vinte jornais em simultâneo, com uma tiragem de cinco milhões de exemplares.

The Spirit era um combatente do crime que usava fato e gravata, um chapéu fedora, luvas e máscara, e era amigo do Comissário da Polícia de Central City. A história da sua origem é obscura, mas ele teria sido um detective morto (assim o presumiria o criminoso) e enterrado, mas recobraria de animação suspensa para se devotar ao combate ao crime (fazendo até da tumba a sua base).

Os personagens centrais, para além de Spirit, são o Comissário Dolan, a filha e eterna noiva, ciumenta e algo feminista Ellen, e as rivais, a pérfida P'Gell ou a morena Silk Satin, e o auxiliar e amigo jovem negro Ebony White, para além dos arqui-inimigos, o cientista louco Dr. Cobra ou génio do mal Octopus.

As histórias maniqueístas combinavam o ambiente típico do policial negro com alguma fantasia mórbida popular à altura, e uma comicidade quase infantil que advém também da inverosimilitude das situações ou dos personagens, que nunca morrem ou nunca parecem ser demasiado afectados pelos murros ou pelas balas, como se feitos de borracha. As histórias foram, no entanto, ganhando alguma densidade e complexidade ao longo dos anos.

Histórias urbanas: Eisner recria o ambiente negro da New York (Central City é obviamente New York) dos anos 40, dos prédios pobres, os ghettos, os clubes e os becos, os gangsters e os personagens comuns. 
The Spirit foi publicado semanalmente até 1952, nunca sendo interrompido, nem sequer quando foi convocado para a guerra (desenhado por anónimos colaboradores). O herói continuou no entanto a ser desenhado por outros desenhadores, até ao presente.

The Spirit foi alvo de um longo processo judicial pelos direitos de autor por parte do editor, que Will Eisner acabaria por ganhar, sendo o copyright detido actualmente pelo amigo de longa data e biógrafo Dennis Kitchen. 

Depois de largar o Spirit, Eisner fez inúmeros trabalhos de banda desenhada e ilustração, entre os quais John Law, um detective fumador de cachimbo com uma pala num olho, que tinha como auxiliar um jovem engraxador de sapatos; mas principalmente são notáveis as obras The Building (O prédio) e A Contract with God (Um contrato com Deus), histórias urbanas plenas de ternura; que ajudaram a estabelecer o conceito de “novela gráfica”.

O Eisner Award é um dos mais importantes prémios mundiais de Banda Desenhada, estabelecido desde 1987, e é atribuído anualmente no San Diego Comic-Con. 

O personagem Ebony White, que surgiria muito cedo nas histórias do Spirit, é o equivalente do Robin de Batman e de outros sidekick de heróis da BD. Ebony é uma caricatura sem nuances do miúdo negro nova-iorquino, iletrado e traquinas. Fisicamente, ele é o oposto de Spirit: desengraçado, de cara redonda e lábios grossos, com um dialecto cerrado, fardado de vermelho e boné como um bellboy, temperamental e expressivo, Ebony é o amigo e dedicado auxiliar de Spirit, tornando-se mesmo o protagonista de inúmeras histórias. A amizade de Ebony é recíproca. Para completar o estereótipo, Ebony toca bateria e quer ser músico de Jazz.
Eisner foi por diversas vezes criticado pela caricatura do miúdo negro Ebony, mas eu diria que há muito de ternura e amizade no personagem.

O Jazz passa ocasionalmente pelas histórias de Spirit, quase sempre como referência fugaz, mas, nas duas histórias que se exibem, ele é o motivo. Na primeira, “The Maestro”, de 1943, Ebony vai substituir o baterista de uma orquestra de Jazz, supostamente raptado por um gangster e, na segunda, “Bebop”, de 1947, é o Jazz, e toda a banda que são os protagonistas.

A leitura das histórias não é fácil, devido ao calão urbano marginal norte-americano cerrado.
E infelizmente também, em virtude do desaparecimento das pranchas originais de “Bebop”, a cópia que se expõe não possui a qualidade desejada.

Mr. Dennis Kitchen, amigo e biógrafo de Will Eisner, que detém os direitos das histórias de Spirit, ele também um amante de Jazz, foi de uma enorme simpatia e diligência; tendo sido ele que me deu a conhecer “Bebop”, e sugerido outros autores e histórias.

 “The Maestro”, in The Spirit, capa, Will Eisner, 1943
“Bebop”, in The Spirit, capa, Will Eisner, 1947
© Denis Kitchen Publishing Co. LLC

 


* As “pulp magazines”, muito populares no início do século XX, com equivalente nas revistas de cordel portuguesas, de fraca qualidade, publicavam histórias que iam dos folhetins amorosos ao policial negro, ao sobrenatural e à ficção científica.